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sábado, 28 de agosto de 2010

Com a palavra, o aluno

Aqui vai mais um e-mail que recebi. Não sei se é verdadeiro ou não, portanto o repasso sem garantir sua procedência. Para quem conhece o assunto, talvez interesse. Justifico: esse blog quer ajudar as pessoas a entender que evolução não é progresso e o assunto exemplifica isso bem.



from: Mauri_Marcos_Oliveira@ceu.org

to: chico@livroquevende.com.br

cc: bizzo@usp.br

subject: Avaliação do Livro Didático



Caro senhor Chico,



O senhor não me conhece, mas resolvi escrever-lhe depois de ter sido chamado, mais uma vez, para ver o que andam falando sobre avaliação de livro didático aí embaixo. A professora Daisy me mostrou seu livro não didático e me disse que um jornalista ganhou um exemplar e pretende lhe dar destaque, mas que temos que opinar.

Vou me apresentar primeiro. Deixei Andradina no dia 30 de Março de 1991, muito antes do que meus pais desejavam, justamente por causa de um livro didático não avaliado. Jogávamos bola no campinho da escola e na minha vez de pular o muro para pegar a bola fui picado por uma jararaca. O professor de ciências é sempre chamado nessas horas e, como o livro distribuído pela Secretaria de Educação dizia que era para aplicar torniquete... foi o que fizeram comigo. E o torniquete acabou provocando um entupimento de uma artéria do meu coração; por isso ele não bate mais desde aquele dia.

Me chamaram porque no seu livro o senhor resolveu desentranhar o passado de uma maneira altamente seletiva, mas essa idiossincrasia pode acabar fazendo com que mais crianças venham para cá antes da hora. O seu amigo jornalista é muito importante e pode fazer as pessoas acharem que tudo o que está no seu livro é verdade. Mas aqui onde estou, todo mundo consegue enxergar as verdades e as mentiras, sem confusão. Por exemplo, sua justificativa de que o "Harrison's Internal Medicine" recomenda torniquete para as picadas de serpentes brasileiras é mentira. Todo mundo sabe disso aqui, e sabe que o senhor também sabe que é mentira. Nada que não possa ser perdoado, pois, afinal, quando o senhor se envolveu nesse assunto, seu sogro e o poderoso sócio dele, queriam uma indicação norte-americana. Isso ia impressionar os burocratas do MEC e desmoralizar a avaliação. Mas seu pai já sabia bem que o que é bom para os Estados Unidos nem sempre é bom para o Brasil. Isso o senhor acabou descobrindo depois, quando viu que os livros da editora da família estavam mesmo irremediavelmente reprovados. E aquele torniquete que me matou estava lá... até desenhado com um emblemático lencinho branco...

Eu já estava há cinco anos aqui e não parava de chegar criança com o mesmo problema que o meu. Isso era maio de 1996, e logo depois, a imprensa alardeou as justificativas da reprovação e o caso do torniquete ganhou destaque, não só nos jornais, mas também no rádio e até na televisão. E, veja só, o número de pessoas que morrem por picadas de serpente no Brasil baixou pela metade desde aquela época.

O senhor já tinha ouvido essa história do seu amigo da UNICAMP. Eu ainda não o conheci, mas sei que ele recebeu o livro que tinha sido aprovado naquele PNLD 1997 antes de todo mundo. E quem tinha arrumado o livro era justamente o sócio de seu sogro. Se hoje ele continua tendo informações privilegiadas do MEC, como o senhor diz em seu livro, o senhor deveria ter começado a história do começo, quando o senhor se beneficiava desse acesso privilegiado.


A recomendação que apareceu no Guia de Livros Didáticos estava mesmo mal escrita, mas como o senhor bem reparou, a crítica foi feita com bom senso, pois aquele livro didático não deixava de ser recomendado com muita ênfase. Era bom mesmo, e era o único bom, o senhor sabia disso. Não tinha torniquete, não matava criança. Mas a resenha não confundia alhos com bugalhos. Ela recomendava que o professor explicasse melhor o que a figura não deixava evidente. Mas, como os pareceres daquela época não diziam como o livro devia ser, a imagem "corrigida" NÃO foi sugerida, tampouco produzida. Mas o seu leitor, nobre e paciente leitor, será enganado ao ver as imagens da página 68 do seu livro. O seu leitor, que o senhor tanto preza, não vai reparar que a figura 2.2, naquela página, foi inventada pelo senhor e não por recomendação da avaliação. Seu leitor não vai reparar naquela letra miúda, esperta, faceira, da legenda daquela figura 2.2, que diz "MODIFICADO de:". Faltou falar por quem, e com qual intenção...

Portanto, sua conclusão de que o caso comprovaria inexistência de controle de qualidade no PNLD corre por sua própria conta e risco. Ela não decorre das evidências que apresenta. Se o desenho não evidenciava um fenômeno que pudesse ser entendido por crianças de menos de dez anos, isso não significa que haja erro na resenha, muito menos que não haja controle de qualidade no PNLD. Esse controle tem a ver com livros EXCLUÍDOS. O senhor não indica nenhum livro injustamente excluído no PNLD, a não ser o seu. Portanto, sua conclusão de falta de controle de qualidade não se sustenta. Esse é um mau começo para o livro.

O seu leitor vai pensar, do jeito que o senhor fala do PNLD 1996 (que não existiu), PNLD 1997 e PNLD 1998, que os avaliadores eram analfabetos em astronomia! Coitados! Aliás, o senhor fala isso. A professora Daisy ficou muito brava; gaucha brava é pior que machão nordestino. Mas, e como explicar então que esse era justamente o assunto que justificava a maior parte das exclusões, as quais não foram contestadas, nem mesmo em seu livro não didático? Os erros foram divulgados, além dos pareceres completos na internet, em um artigo da Ciência Hoje, de junho de 1996. O senhor leu o artigo e até telefonou para o coordenador da avaliação, que entendeu aquilo como concordância com o resultado. A grande maioria dos livros era ruim mesmo. Mas quem lê seu livro não didático hoje vai pensar que o telefonema, que o senhor não menciona, teria sido para ensinar coisas elementares de astronomia, como dizer que as fases da Lua foram explicadas "há mais de cem anos". Se tivesse dito isso naquele telefonema teria ouvido o nome de um grego mais velho do que Ptolomeu! Mas os livros didáticos do PNLD 1997, eles sim, confundiam coisas elementares, e não só em astronomia!

O mais importante: os pareceres de exclusão não faziam o que o senhor fez... inventar ilustrações nos livros da concorrência. Por exemplo, o livro didático mais vendido à época explicava o verão com uma figura, com a Terra se aproximando do Sol; o inverno ocorreria do outro lado da elipse (e que elipse!). Estava lá e a reprodução que aparece no artigo de Ciência Hoje é fotográfica. Em textos e ilustrações, havia livros que mostravam eclipses e diziam ser as fases da Lua! Aquilo sim era confundir alhos com bugalhos!



Mas eu não entendi seu livro não didático. O senhor começa dizendo que os avaliadores do passado erravam quando elogiavam os livros didáticos aprovados, para depois dizer que seu livro didático não deveria ter sido reprovado agora, pois foi elogiado no passado! Talvez o senhor tenha mesmo razão: os avaliadores do passado, se acertavam ao excluir, talvez errassem ao recomendar! O senhor conhece muito bem um colégio privado que adotou seu livro e, depois, acabou não concordando com os elogios dos avaliadores. Acharam até o Gagárin voando no Sputnik!

Essa incoerência só não vai causar espécie em leitor sonolento e em jornalista profissional em fazer do sapo bailarina. Para divulgar pareceres não é necessário projeto de lei!

Mas o senhor não menciona, em seu livro não didático, outro livro didático de sua autoria, que foi EXCLUÍDO no PNLD. Esse livro didático mereceu um parecer que apontava dezenas de erros conceituais, e terminava assim:

Embora todos os argumentos aqui apresentados já sejam suficientes para revelar as graves deficiências da Coleção 54040-4 como instrumento didático e pedagógico, o aspecto mais grave da coleção, no entanto, reside no fato que ela contraria os critérios de avaliação do PNLD em relação à segurança e à integridade física dos alunos. O Edital de Convocação para inscrição dos livros didáticos dispõe, à pág. 50, na seção reservada aos critérios eliminatórios:

“Deve-se evitar terminantemente a sugestão de experimentos com substâncias químicas concentradas, em especial ácidos e bases (...)” (grifo nosso)

Não observando tal recomendação, o volume de sétima série (74042-0) pede que os alunos realizem um experimento com “50 g de H2SO4 (ácido sulfúrico) concentrado” (pág. 154, grifo nosso). Trata-se de experimento que não admite variações, devendo obrigatoriamente ser realizado com solução concentrada. O risco de acidente sério é elevado, pois a ordem de mistura dos componentes pode resultar em explosão, com conseqüências gravíssimas. Não existem sequer observações ou explicações sobre isso no livro. Queimaduras resultantes do contato com a pele são previsíveis, além de outros agravos à saúde, mesmo sob o simples contato com a roupa. O atendimento a esses acidentes demanda instalações e procedimentos especiais, que, além de não estarem discriminados no livro, dificilmente poderiam ser encontrados em escolas públicas.

Por fim, caberia registrar a semelhança entre diversas partes desta Coleção com outra, “Caminhos da Ciência” (Editora IBEP), destinada às primeiras séries do ensino fundamental. Torna-se difícil entender a pertinência de apresentar a um aluno da sétima série (pág. 43), exatamente o mesmo texto da pág. 94 do livro da terceira série da coleção “Caminhos da Ciência”, sem que ela figure sequer na bibliografia da pág. 183 da coleção 54040-4. A sensação de repetição, inclusive empobrecida, permanecerá de forma muito concreta e presente. Espera-se que os alunos progridam em seus estudos e não apenas repitam aquilo que os mais jovens têm como tarefa.

Em síntese, considerando a presença de experimentos que colocam em risco a integridade física de alunos e professores; considerando a presença de uma metodologia que privilegia apenas a memorização; considerando a ocorrência de erros e de incorreções conceituais; de confusão terminológica, além das demais deficiências já apontadas neste Parecer, conclui-se que a Coleção 54040-4 não apresenta condições de ajudar a desenvolver um ensino eficaz e promover um aprendizado efetivo, devendo, portanto ser Excluída do PNLD/2002

Esse parecer o senhor não mencionou no seu livro não didático...

Muitos são a favor da educação, mas poucos são contra a ignorância, em especial quando ganham muito dinheiro com ela. Eremildo conhece bem esse discurso. Até ele precisa rever o que escreve, ou já ir pensando em uma desculpa. Mentira não pode virar verdade só por causa de um livro, ou de um artigo de jornal.

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